Archive for 23 de fevereiro de 2008

O declínio da esquerda tradicional e o futuro da Contestação Crítica – comentários a partir da saída de Fidel

fevereiro 23, 2008
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A expressão “declínio da esquerda” pode remeter à falsa impressão de que o início desse processo se deu a partir da queda do Muro de Berlim e da dissolução da União Soviética. Na verdade, a esquerda começou a se desintegrar a partir da própria ascensão do stalinismo. A partir daí, as correntes socialistas se viram às voltas com uma Realpolitik empobrecedora e castrante da criatividade filosófica e cultural que necessariamente devem acompanhar um movimento de contestação. Ademais, o stalinismo significou o fim do “movimento” leninista em nome de uma institucionalização brutal do socialismo meramente “científico”. A “ciência” falou mais alto que os demais aspectos da realidade social. E olha que Gramsci já tinha falado que era preciso haver liberdade no socialismo e na revolução e que a cultura era tão importante quanto o Partido e as “determinações econômicas”. Weber ia dizer a mesma coisa, mas pelo lado capitalista da Guerra Fria intelectual. Ninguém deu bola pro coitado do Gramsci, acusado de revisionismo, que morreu sozinho e triste no cárcere.
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A partir daí, o socialismo (marxismo-leninismo, maoísmo, trotskismo) significou Realpolitik, ou seja, a resposta clara e pronta contra o sistema capitalista que precisava ser combatido. A poesia, o cinema, a literatura, a “teoria” tinham que ser “engajadas” no pior significado que o termo pode assumir: pré-prontos, enlatados, manipulados, sem sal e sabor estético algum. Desde as cavernas os seres humanos são estéticos, o que se prova pelas pinturas rupestres. O capitalismo soube usar essa necessidade humana ao extremo, engendrando a sociedade do espetáculo. O socialismo, por sua vez, quis abafar a estética em nome da revolução. Quando, na verdade, a revolução precisava ser, ela mesma, também estética. De que adiantaria o socialismo, se não fosse belo? Não por acaso, as massas fugiam da Alemanha Oriental rumo à zona de prosperidade capitalista no lado Ocidental. É melhor a enganação estética do que o deserto do real.
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Lutar contra o capitalismo, contra os governos capitalistas, contra a moral burguesa, contra o pensamento acadêmico burguês, contra o prazer burguês, contras as piadas burguesas… Era muita coisa para destruir em um sistema que funcionava perfeitamente bem (no sentido funcional, não em sentido moral). E pior: tudo isso deveria ser substituído por fórmulas prontas e rígidas impostas por inteligências verticais (comitês centrais). O capitalismo era mais estimulante: pregava o self-made-man, dizia que você deveria ser dono de si, que ninguém podia lhe roubar a liberdade (ainda que efetivamente roubasse). O socialismo dizia: submeta-se à direção, seja abnegado, renegue tudo. O problema do socialismo é que se tornou um deserto de realidade extrema. Se tornou chato. Isso quando o capitalismo inventou a sociedade do ócio e do entretenimento para aproveitar e lucrar com o tempo livre conquistado pelos trabalhadores e classes médias ascendentes a partir da redução e regulamentação das jornadas de trabalho. Para os capitalistas, lazer após o trabalho. Para os socialistas, luta após o trabalho. Não era difícil prever o que a maioria escolheria. Ninguém pensou (porque não quiseram ouvir Gramsci) que se deveria aliar lazer e luta, luta e lazer.
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A culpa talvez tenha sido do gigantismo da vontade. Nunca um sistema organizador da realidade social (cidades-estado rurais-comerciais, feudalismo, capitalismo etc) foi substituído por outro de forma racional e pré-programada. Para se ter idéia, o termo capitalismo só passou a ser amplamente usado no século XIX, quando já estávamos há muito sob sua hegemonia. Não consta nos registros históricos passeatas no século XVI com slogans “Revolução Capitalista Já!”. Mas consta que os burgueses buscaram aliança e distância do Estado quando preciso fosse, consta o nascimento de um sentido burguês da vida etc, mas tudo paulatinamente, sem pressa.
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O socialismo errou por tentar ser total, o que só poderia desembocar em totalitarismo. Alocou-se autoritariamente em sistemas diretivos centralizados o monopólio da criatividade, quando esta deveria emanar livremente de todos. Tentou-se impor a resposta universal do materialismo, quando, não raro, as pessoas queriam dar risadas com uma comédia. Mas isto seria burguês ou dominação “pão e circo” do sistema. Mas não tinha que ser necessariamente assim.
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O stalinismo contaminou imperceptivelmente até seus opositores de esquerda, ao ser o crupiê, ou seja, aquele que ditava as regras do jogo de tal forma que, até para se opor, era preciso se igualar. Qualquer que fosse o tipo de marxismo abraçado, a discussão era pragmática: ganhar sindicatos, organizar passeatas, mobilizar estudantes e operários etc. Mas e a reflexão sobre a vida? E o humor? E o jovem Marx da Ideologia Alemã? Nada disso importava. A pobreza conceitual e espiritual dominou aqueles que, de início, representavam a emancipação. E eles nem perceberam. Não perceberam que suas bandeiras deixaram de empolgar. Não perceberam que já não despertavam emoções. Quando ruiu o muro de Berlim e a União Soviética, o que ruía, na verdade, eram os fantasmas de sonhos passados e os pesadelos presentes.
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Nesses últimos dias, Fidel Castro renunciou ao cargo de Comandante-em-chefe de Cuba, após 49 anos ininterruptos no poder. Não quero aqui tecer os prós e contras de seu longo governo, pois no fim das contas, acho que dá empate. Por mais que alguns exagerem na admiração do ícone. De qualquer forma, uma coisa é certa: sua saída fez bem menos barulho do que sua entrada em cena junto com Che Guevara e Camilo Cienfuegos na marcha sobre Havana em 1959.
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A saída de cena de Fidel representa o encerramento completo de um ciclo histórico de contestação baseado no socialismo “científico”. Enquanto Fidel se mantinha em cena,  a queda de Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética pareciam incompletas. China e Vietnã já tinham se decidido por um capitalismo de Estado e a Coréia do Norte vive em um isolamento tão brutal que pouco se lembra da sua existência. Mas outros ciclos virão e espero que sejam mais abertos à filosofia (acadêmica e popular), à arte, à criatividade, à utopia em detrimento do realismo gulaguiano. Política não se pode fazer sem realismo, é verdade. Mas emancipação não se pode fazer sem sonho. É preciso que a nova contestação combine equilibradamente os dois pólos. Racionalização e subjetivação, como fala Alain Touraine. Estrutura e mundo da vida, como ensina a Sociologia pós-positivista.
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Por isso, a contestação só não basta. Não basta apenas criticar o Outro, o Mal, o Sistema, o Capital. É preciso também criticar cada tentação autoritária, cada saída fácil. Assim, a Contestação só pode, neste novo milênio, ser Crítica. Daí minha proposta da Contestação Crítica. Alguns podem ainda chamá-la de socialismo. Isso é o de menos. O que interessa é o espírito da coisa e não sua nomenclatura.
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A Contestação Crítica, por sua vez, deve ter sua casa no Clube da Política, ou seja, numa renovada Ágora que não assuste os indivíduos que deseja agregar, mas que, ao contrário, saiba inserir os elementos que cada indivíduo ou grupo valorizam e com o qual tenham identidade, respeitados os limites democráticos e do bem comum. A Contestação Crítica deve ser o substituto dos partidos centralizadores do marxismo ortodoxo, mas de forma a despontar em cada canto do globo e de formas distintas, sem a atrofia por vanguardas iluminadas. A Contestação Crítica será cada insurreição espontânea e/ou organizada contra a opressão (material e simbólica) em todos os seus moldes. O Clube da Política, por sua vez, deverá ser a vida cotidiana de cada um de nós.
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Retira-te em paz, Fidel! Lutaste bastante. Mas agora é hora de outras tentativas por outras pessoas em um novo tempo.

Entre o Pelô e Amsterdã

fevereiro 23, 2008

Quem assistiu seu Valera hoje viu uma cena muito explorada pelo “jornalista”: um casal de turistas sendo roubado na parte não restaurada do Pelourinho. O ladrão leva o colar de ouro da senhora. O roubo foi tão tranquilo e honesto que o ladrão pára e lança: “Dando bobeira, andando com corrente de ouro no Pelourinho… Aqui não é Amsterdã, não…”. Tudo filmado por um cinegrafista amador. As palavras do ladrão foram exaustivamente repetidas.

Seu Valera achou o fato um absurdo porque demonstrou a insegurança que ronda os turistas em um dos principais cartões postais da cidade do Salvador. Ele sugeriu delicadamente ao governador, dando tapas na mesa, que comprasse um colar novo na HStern e desse à infeliz.

Para seu Valera, a questão é externa: segurança dos turistas. Para o honesto ladrão, que ainda se preocupou em ser pedagógico com a turista imbecil inocente, a questão é interna, pois Amsterdã absolutamente não é aqui. Lembro que alguém da cultura já tinha dito que aqui é o Haiti.

Reflexões 1

fevereiro 23, 2008

“Acusações de racismo contra a polícia da Bahia têm sido constantes ao longo dos anos, embora se calcule que 85% dos integrantes da corporação sejam afro-descendentes”.

 Da CartaCapital

 Provoco: como se explica isso? Sintam-se à vontade para comentar.